quarta-feira, 15 de julho de 2009

Minas


"Montanhas e Águas proclamam, sem cessar, o sermão de Buda"
(Mestre Dogen, séc. 13)



A árvore genealógica do rio
(Anibal Oliveira Freire)

As nascentes são folhas
os afluentes os galhos
o rio é o tronco
e o mar é a raiz?

As flores são agrícolas
e as cidades serão os frutos apodrecendo nas margens?

os peixes serão pássaros sem folhas?

a água-selva sobe pro ar para irrigar a planta-rio?

a fotossíntese do rio é que torna o rio de verdade?

a árvore do rio tem os pés no mar
e a cabeça nas nuves?

a árvore genealógica do rio começa em mim.


A Criação
(texto-colagem: Aníbal Freire)

"A princípio era o caos. Então o Deus do Oceano do Norte convocou o Deus do Oceano do Sul e resolveram dar uma forma ao caos. Deram-lhe cabeça, tronco e membros, olhos, nariz, garganta, etc. Quando estava formado, o caos morreu." ( Versão zen do Gênesis)

O Homem:

da tribo, joga os restos na selva
da roça, joga as sobras pros bichos
da favela, joga os troços pela janela
da cidade, joga o lixo na rua
- qual é a sua?

Não adianta jogar o lixo debaixo do tapete
jogar o lixo urbano na periferia
esconder, ocultar, não adianta.
O LIXO FEDE

Então, o Deus-pagão do Templo do Consumo ecoou:

Coleta seletiva
Coleta seletiva
Lixo no lixo
Cada coisa tem seu nicho

Olhando para baixo viu:

Os garis varrendo a rua
as palmeiras varrendo a rua
o poeta recolhendo os pós-modernos no cesto da poesia.

E compõe na boca do lixo:

amontoado é lixão
separado, matéria-prima
reciclado, re-criação

"eu vi um bicho revirando o lixo, catando sobras, comendo detritos:
meu Deus, mas não é um bicho, é um homem" (Manueal Bandeira)

A lata de Warhol não é lixo, é arte
a garrafa de coca-cola, pop art no lixo
Marilyn Monroe não é arte, é vida!

O Zen diz:
"todas as coisas têm vida. Não tire a vida"!

Um catador iluminou:
"lixo é o fim e é o começo"


*As duas poesias acima foram tiradas do livro Montanhas e Águas, de Aníbal Oliveira Freire. Natural de Salinas (MG), o poeta Aníbal Freire é engenheiro sanitarista-ambiental da Copasa. O livro tem 59 páginas, foi editado em 2001 e traz também desenhos do artista plástico Inimá de Paula.

Coloquei estas poesias do Aníbal aqui por que o desenho acima, além de trazer temas tais como árvore, flor e montanha é resultado de uma colagem de duas pinturas minhas feitas em papel. A flor é uma tentativa de réplica da inflorescência de um flamboyant. Para pintá-la, usei o floral extraído do próprio vegetal, que foi misturado à água do nankin

Maria Pignata.

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